quinta-feira, 15 de maio de 2008

O Paraiso é Aqui






Em 1571, o navegante português Nicolau de Rezende foi a pique perto da foz do rio Parnaíba, perdendo toneladas de ouro no naufrágio. Decidido a recuperar seu tesouro, passou 16 anos tentando resgatá-lo, em vão. Então, de tanto velejar, encontrou 'um grande rio que forma um arquipélago

verdejante ao desembocar no mar'. Pronto! Nicolau acabara de descobrir o Delta do Parnaíba, mosaico de ecossistemas de extraordinária beleza, alta biodiversidade, riqueza natural e relevância ambiental, na divisa do Piauí com o Maranhão.

O Delta é a flor do Rio Parnaíba - desabrocha a cada instante no oceano após serpentear por 1.485 quilômetros entre os dois estados, desde a Chapada das Mangabeiras, lá embaixo no mapa. Grosso modo, parece a mão direita do homem, ligeiramente inclinada para a esquerda. Visto do alto, apresenta cinco barras, ou bocas (os dedos, ou pétalas), ramificadas em mais de 70 ilhas e ilhotas, entre as quais se destacam a Ilha Grande de Santa Isabel, Canárias, Poldros, Caju, Ilha Grande do Paulino e Tutóia.

Visto dos convés dos barcos de turismo, voadeiras, canoas ou barcos a vela dos pescadores, é um labirinto aquático sujeito à influência das marés, cercado por mangues, florestas de restinga, planícies inundáveis, dunas móveis ou fixas, lagoas de água doce e praias de areia branca no limite norte, onde bate o mar. Quem singra seus canais e igarapés presta muita atenção às margens e vegetação ao redor, em busca de ariranhas, jacarés, macacos, cobras, iguanas, aves e outros bichos.

Visto do cais, como acontece, por exemplo, no Porto dos Tatus, na Ilha Grande de Santa Isabel, é um celeiro de peixes, lagostas, camarões, ostras, caranguejos e siris, matérias-primas da riquíssima cozinha regional- o caranguejo é uma das principais fontes de renda da população mais humilde, que o cata no lamaçal contíguo aos manguezais. Todo dia, saem caminhões lotados para os estados vizinhos, principalmente para o Ceará. Visto de qualquer ângulo, o Delta do Parnaíba é um paraíso em grande parte intocado, um espetáculo da natureza, santuário da vida animal, além de fonte de recursos para milhares de pessoas. Único delta em mar aberto das Américas e o terceiro do mundo em extensão (os dois maiores são os do Nilo, na África, e do Mekong, na Ásia), se estende por 2,7 mil quilômetros quadrados de área, 35% dos quais no Piauí e 65%, no Maranhão. O principal acesso, no entanto, é Parnaíba, cidade histórica situada em local estratégico do norte piauiense: fica a 330 quilômetros de Teresina; 504 de São Luís, MA; 600 de Fortaleza, CE; 120 dos Lençóis Maranhenses - outra maravilha da natureza, integrada a roteiro turístico específico, de que falaremos mais adiante -; e 170 de Jericoacoara, no Ceará, considerada uma das praias mais bonitas do mundo, também parte deste pacote.

Com pouco mais de 150 mil habitantes, Parnaíba tem sua origem e desenvolvimento ligados à exportação de charque e, mais tarde, à de cera de carnaúba, através do Porto das Barcas, hoje importante entreposto de caranguejos, além de cartão-postal da cidade. A região no entorno do porto abriga imponentes casarões históricos, entre eles o da família Clark (do inglês James Frederick Clark, pioneiro no comércio de cera), dona da Ilha do Caju.

'A cidade vai se transformar a partir deste verão num dos principais pólos de ecoturismo do continente', diz Sílvio Leite, secretário de turismo do estado, referindo-se a dois projetos simultâneos de desenvolvimento da região. O primeiro, chamado genericamente de roteiro integrado Jeri-Delta-Lençóis ('rota das emoções'), resulta de convênio assinado pelos governos do Ceará, Piauí e Maranhão, com apoio do Ministério do Turismo, dentro do Plano Aquarela - Marketing Turístico Internacional do Brasil, que tem como objetivo divulgar os principais destinos do país no exterior. A meta do governo federal é ampliar a média de visitantes, atualmente ao redor de 5,5 milhões de pessoas ao ano, para oito milhões até 2010. Segundo cálculos do ministério, em três anos os turistas estrangeiros deverão gastar cerca de 7,5 bilhões de dólares no país, parte dos quais no Piauí.



O convênio prevê uma série de investimentos em infra-estrutura, capacitação de mão-de-obra em hotelaria, ações de fomento e marketing envolvendo as prefeituras, instituições públicas e privadas e a população dos municípios ao longo do eixo Jericoacoara-Delta-Lençóis, tendo Parnaíba como ponto de referência e centro de irradiação.

O litoral do estado está em ebulição: obras de saneamento, asfaltamento de ruas e rodovias, modernização e ampliação da rede elétrica, recuperação de prédios históricos, revitalização da orla marítima, construção de pousadas e hotéis, etc. 'Um grupo espanhol comprou parte da Ilha dos Poldros com intenção de erguer um resort de luxo', diz Silvio Leite. Segundo ele, várias empresas do setor manifestaram interesse em empreendimentos do tipo no entorno do delta, visando, sobretudo, os turistas estrangeiros.

'Até recentemente, o aeroporto de Parnaíba não comportava aviões de grande porte', emenda o vice-governador do estado, Wilson Martins, responsável, entre outras atribuições, pelo controle dos recursos do PAC - Plano de Aceleração do Crescimento, do governo federal, aplicados no Piauí. Parte dessa verba vem sendo usada em estradas e aeroportos. 'Estamos finalizando as obras de construção de mais 400 metros de pista em Parnaíba, o suficiente para receber Boeings e outros aviões de longo percurso', afirma Martins, lembrando que o necessário posto de abastecimento das aeronaves já foi instalado pela Petrobras. 'A Litorânea começou a fazer vôos regulares. A TAM e a Gol estão estudando linhas com escala ou destinação final em Parnaíba, que logo receberá vôos charters diretamente da Europa', comemora o vice-governador.

A idéia geral é esta: os visitantes desembarcarão na cidade, em condições de visitar o delta, as praias, as dunas e outros atrativos turístico da região como a Lagoa do Portinho, em Parnaíba, onde se realiza uma das pernas do campeonato mundial de windsurf; a Pedra do Sal, formação rochosa oceano adentro, na Ilha Grande de Santa Isabel; e Cajueiro da Praia, sede do projeto peixe-boi, quase na divisa com o Ceará (leia Mascote de futebol). Ou então, conhecer o belo artesanato em bilro das rendeiras do Morro da Mariana, também na Ilha Grande, acesso natural ao delta - a maioria dos barcos parte do Porto dos Tatus.

A outra opção dos turistas recém-chegados é alongar o passeio a destinos badalados ao sul. É o caso do Parque Nacional de Sete Cidades, perto de Piripiri, com suas incríveis formoções rochosas, ou a região montanhosa de Pedro II, município famoso pela ocorrência de opalas multicoloridas. O visitante pode ainda conhecer a Cachoeira do Urubu, em Esperantina, ou explorar Teresina, centro histórico, econômico e cultural (a capital abriga até um parque com árvores fossilizadas). Outra pedida é a região de Campo Maior, palco da histórica e sangrenta Batalha do Jenipapo, ocorrida em 1823, que opôs, de um lado, piauienses e cearenses sem instrução militar, armados com facões, foices e lanças improvisadas, e, do outro, tropas regulares sob comando do Marechal Fidiê, que tentava manter a região sob domínio português. E ainda há o Parque Nacional da Serra da Capivara, na região de São Raimundo Nonato, considerado um dos maiores tesouros arqueológicos do mundo.

Ainda que o Piauí esteja repleto de destinos turísticos, é o Delta que vive o mais promissor dos verões. 'Agora, a coisa deslancha por aqui', aposta Edilson Morais Brito, pioneiro entre os guias da região, dono da maior agência de turismo do norte do estado e criador de roteiros hoje seguidos por outros agentes, além de fotógrafo competente. O roteiro Jeri-Delta-Lençóis é conhecido no exterior. A maioria dos turistas, incluindo estrangeiros e brasileiros (excetuando-se os piauienses, é claro) o segue a partir de Fortaleza. Muitos demandam apenas as praias a oeste da capital cearense, até a região de Camocim; outros cumprem o trajeto inteiro ou ficam passeando pelo delta, voltando depois a Fortaleza. Naturalmente, há quem prefira fazer o caminho inverso, a partir de São Luís do Maranhão. Nesse caso, a logística é mais complicada. Parte do trajeto até Tutóia, passando por Barreirinhas, é feito por trilhas ou precárias estradas de terra - só passam veículos com tração 4x4.


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'Os estrangeiros adoram', diz Edilson. 'De Parnaíba a Barreirinhas são 190 quilômetros, 30 deles off-road e, de Parnaíba a Caburé, na foz do Rio Preguiças, outros 120 comendo poeira'. Em sua opinião, o roteiro integrado Jeri-Delta-Lençóis talvez seja o que o país tem de melhor a oferecer para quem gosta de natureza selvagem, praias desertas ou quase, dunas imensas e manguezais inexplorados. Dos que visitam a região, os mais assíduos entre os brasileiros são os paulistas, os cariocas, os mineiros e os brasilienses. Entre os estrangeiros, italianos, holandeses, portugueses, espanhóis e franceses - enquanto ele falava, durante visita às rendeiras do Morro da Mariana, na Ilha Grande de Santa Isabel, dez buggies pilotados por franceses passavam pela estrada na direção da Pedra do Sal, provavelmente a caminho das dunas.

Os europeus consideram o Nordeste brasileiro um paraíso. Além dos atrativos naturais, comida boa e povo hospitaleiro, fica relativamente perto de Lisboa, Madri, Roma, Paris - de sete a nove horas de vôo, aproximadamente. Parnaíba fica mais perto ainda, encurtando a viagem e os preços, principalmente em vôos charters. O verão está apenas começando.

O litoral do Piauí estende-se por 66 quilômetros: 30 na Ilha Grande de Santa Isabel e 36 na parte continental. É pequeno, mas têm belas praias, muito sol e vento forte. Venta muito. Não à toa, a Praia do Coqueiro, em Luís Correia, sediou uma das etapas do campeonato mundial de kitesurf, esporte utilizado, inclusive, como motor de inclusão social. A Praia do Coqueiro também é conhecida pelo projeto Favela no Kite, iniciativa do cearense Wellington Alves, o famoso Barilow.

Ex-menino de rua em Fortaleza, agora instrutor respeitado, ele aprendeu a praticar o esporte com um turista norte-americano que veraneava na capital cearense. De mudança para Luís Correia, logo se identificou com as crianças carentes que perambulavam pela praia atrás de ocupação. Então criou o projeto, hoje com 20 menores, escolhidos entre os mais pobres. 'O objetivo é transformá-los em futuros instrutores, para que assim possam ganhar a vida', diz Barilow. 'Por que eu faço isso? Porque sei o que é a rua, fui criado sozinho, não conheci meus pais'. As crianças só têm uma obrigação: freqüentar a escola. Dinheiro para alimentar as crianças, comprar e manter equipamentos, quase tudo vem de doações.

Cajueiro da Praia é um município de quase dez mil habitantes, na fronteira com o Ceará. Reduto de pescadores, seu maior orgulho é o Projeto Peixe-Boi Marinho, criado em 1994 com o objetivo de preservá-los. Cerca de 20 desses sirênios freqüentam a barra do Rio Timonha, na divisa entre os dois estados - o número parece insignificante, mas não é. Segundo levantamentos, o número total de espécimes no Brasil não chega a 500.

Mamíferos essencialmente herbívoros, eles podem viver até os 60 anos, atingir quatro metros de comprimento e pesar quase 800 quilos. Extremamente dóceis, habitam estuários e áreas de mangue, onde se alimentam e procriam. O peixe-boi-marinho, diferente do peixe-boi de água doce, comum na Amazônia, é a maior atração turística da região, além da natureza selvagem. Integrado ao dia-a-dia da população local, recebeu o título de Patrimônio Natural, oferecido pela Prefeitura, passou a compor a bandeira oficial do município e virou mascote do time de futebol da cidade.

Fonte:

http://revistagloborural.globo.com/

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