O Alberto Silva que conheci foi diferente do que conheceu a maioria dos piauienses. Não em estatura, sempre elegante, eloqüente, com domínio e atenção completa de todo e qualquer ambiente em que adentrava. Mas em perfil. O engenheiro brilhante, político visionário, líder carismático, em minha casa era o Vovô Alberto.
Parnaibano, botafoguense, fã de jazz e de bossa nova, dos grandes clássicos do cinema e da literatura, marido apaixonado, pai protetor e avô coruja. Um homem engraçadíssimo, que sempre nos fazia rir com seu repertório inacabável de piadas de português (sotaque que imitava com perfeição) ou seus comentários sarcásticos sobre a performance de um ou outro jogador da seleção brasileira.
Dormia poucas horas por noite, e chegou aos noventa anos comendo farofa com lingüiça e tomando seu golinho de cerveja na hora do almoço, luxo que podia ter apesar da idade, graças à genética privilegiada advinda de uma família com muitos e muitos longevos. Nasceu abastado, filho de juiz e herdeiro de muitas terras, mas jamais se preocupou em acumular riquezas, ostentar carros importados ou gastar milhões em material de campanha. Suas últimas campanhas, aliás, são recordistas nacionais de baixo custo, dentre todos os representantes eleitos pelo povo. Alberto passou os últimos anos financiando, do próprio bolso, estudos de tecnologias agrícolas que pudessem ser convertidas em modelos de plantação e moradia para os trabalhadores da agricultura familiar, tão sofridos e sem qualquer amparo.
Via no trabalho um grande prazer, acompanhando obras, fazendo projetos ou conversando de igual para igual, como sempre fazia, fosse com o presidente da república, fosse com o pedreiro de uma de suas obras, fosse com uma mãe de família, um jornalista, ou mesmo um de nós, netos, independentemente da idade em que estávamos.
Pessoa requisitada e sempre com a agenda lotada, era de se esperar que fosse um tanto ausente, seria até compreensível. Mas não. Pra ele, sua mesa de almoço tinha que ter os pratos preferidos de todos os netos, incluindo o pão que ele mesmo se encarregava de fazer ou o kivovô, sua receita caseira de sorvete de chocolate. Gostava da casa cheia de filhos e netos, de vibrar com todas as nossas conquistas, estar presente em todos os aniversários, reclamar junto conosco dos professores que não deixavam tempo livre para brincar ou jogar bola. Vovô era incapaz de ver alguém com expressão de sofrimento e não intervir, incapaz de ver algum conhecido em aperto financeiro e não socorrer, incapaz de não abrir as portas para algum adversário político que o procurava, mesmo se tal adversário fosse orgulhoso demais para pedir desculpas por ofensas outrora proferidas contra a sua pessoa.
E tinha o piano. Impossível não falar do piano. Seu primeiro emprego foi o de pianista da orquestra do cinema mudo de Parnaíba, aos nove anos de idade. Foi o piano, também, o pano-de-fundo da sua paixão por dona Florisa Mazullo, uma bela descendente de italianos, dos olhos azuis, também pianista. E a paixão pela música e por dona Florisa o acompanhou por toda a vida . Pra ele, uma casa devia ser alegre, e não poderia ser alegre sem música. Em um momento complicado de sua doença, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, vovô sentia fortes dores e urinava através de uma sonda, que terminava em uma sacola coletora amarrada à sua perna. Debilitado, longe dos amigos e do povo que ele tanto amava, vovô me pediu para levá-lo ao solar do hospital, alguns andares abaixo de seu quarto. Ao chegar lá, sem se incomodar com a aparência fragilizada e com aquela sonda que tão amargamente expunha seu quadro, viu o belo piano de cauda do hospital e não resistiu. Sentou-se e começou a tocar seus acordes, sempre alegres, rápidos e harmoniosos. Ao som de It had to be you , The way you look tonight, Carolina e Samba do Avião , música a música vovô acumulava ouvintes. Pacientes, médicos e transeuntes aplaudiam emocionados, em um lugar em que não poderia ser mais anônimo, em um condição que não podia ser mais frágil. Seu charme era irresistível.
Apesar dos vários cargos públicos que exerceu, orgulhava-se de ser Engenheiro Civil, Mecânico e Eletricista, e era assim que gostava de ser chamado, Engenheiro Alberto Silva. Seus feitos vão muito além das importantes obras de infraestrutura e de resgate da auto-estima do povo piauiense, como o HDIC, a Maternidade Evangelina Rosa, o Albertão, a ampliação da UFPI, a Avenida Frei Serafim, o terminal de petróleo de Teresina e tantas outras. Alberto Silva eletrificou e levou o progresso para todo o estado do Ceará, quando presidente da COELCE. Cuidou da segurança de milhares de pessoas ao presidir uma das mais importantes linhas de trem do país, a Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Foi o primeiro brasileiro (e pioneiro mundial) a falar em biodiesel, na década de oitenta, investindo em pesquisa como presidente da EBTU, e por conta disso foi ridiculamente taxado de lunático. Pois o lunático conquistou fãs no mundo inteiro, e hoje o biodiesel abastece veículos na Alemanha, nos EUA e no Japão. A grande honraria de sua vida, embora pouco lembrada pela mídia, veio em 2005, ao ser nomeado Conselheiro da República pelo Presidente da República, ocupando a cadeira que outrora pertencera a Celso Furtado, o mais brilhante economista brasileiro. Alberto Silva não tinha apenas vontade política, tinha coragem política para tocar seus projetos, sempre avançados demais para seu tempo, e jamais se preocupou em arriscar sua reputação, pois sabia ser aquilo o melhor para o seu povo. E estava certo, sempre certo.
Sinto-me na obrigação de agradecer, em nome da família, ao carinho e reconhecimento de todos os amigos nessa hora difícil. A chegada a Teresina foi um momento de muita emoção. Seu corpo fora levado pelos bombeiros, e ver as pessoas na rua, gente do povo, acenando e mandando beijos a ele, como que agradecendo por tudo que fizera, foi a cena mais bonita que já presenciei, e jamais me esquecerei dela. Quero lembrar também das eleições de 2006, quando estive ao lado dele na apuração, voto a voto, e ele achou que não seria eleito. Foi uma das poucas vezes que o vi abatido. Pela idade e por ter acabado de sair de uma cirurgia, na ocasião , ele não pode percorrer o estado e fazer campanha. Mas nas últimas urnas ocorreu a virada e ele se elegeu o deputado federal de maior idade em todo o país. Sua alegria foi enorme, foi um grande presente e a maior homenagem que o povo do Piauí poderia ter feito ao homem que tudo fez por esse estado. Agradeço a cada um de vocês por isso.
Por fim, compartilho com vocês algumas das palavras que Alberto disse pouco antes de morrer. Ele pediu aos médicos que tomassem cuidado com seus remédios, pois preferia sentir dor (e só quem já sofreu essa doença sabe o tanto que essas dores são terríveis) a ser sedado e perder a lucidez. Foi um gesto de muita coragem. Ele não quis perder a chance de se despedir dos familiares, de dar aos companheiros de partido as últimas orientações. Foi um gesto que só um grande homem teria, com sua toda a sua bravura e todo o amor que tinha pela vida. Conviver com Alberto Silva foi um grande privilégio. Ter seu sangue correndo em minhas veias é meu maior orgulho.
Dante Silva
(Neto de Alberto Silva)
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